Em busca de Curitiba - CORÉ ETUBA: TATI KÉVA!

A escritora Luci Collin é a terceira convidada da seção do Cândido que abre espaço para ficção inédita inspirada na Curitiba contemporânea


Do Correio Simples 29/08/2012
EM TRÊS ANOS CURITIBA SERÁ A MAIOR MEGALÓPOLE DO GLOBO

Pela proximidade com belas praias, pelo peculiar clima trópico-mediterrâneo e, sobretudo, pelo caráter efusivo de seu povo, nossa linda Curitiba se transformou na cidade com o mais alto índice de CD (Crescimento Desenfreado) da América L
Ilustra artico
atina. Entre as cidades mais populosas do planeta, ao lado de Seul e Bombaim, Curitiba vive a realidade apocalíptica das grandes aglomerações.
Gigantesco complexo urbano — único tecnopolo do País — Curitiba é sinônimo de caos e violência, que se intensificaram a partir de 1970, com o êxodo rural, a criação do primeiro metrô biarticulado telepresencial do Universo e, principalmente, com a chegada do movimento hippie à Cidade. Macrometrópole, tanto em aspectos culturais, quanto em aspectos sócio-ergonômicos, Curitiba sofre com a favelização, os congestionamentos e a criminalidade, mas também tem aspectos positivos como... (cont. p. 07)


CUIDADO: Curitiba está cheia de HIPÓCRITAS. Se você é um Mocinha da Cidade NÃO se CONFORME com as IMITAÇÕES do sistema. Compras só no SHOPPING. Seje ORIGINAL.


Confere dinheiro e sombrinha na bolsa e, então, fecha o portãozinho. Andar rápido, porque a cidade está infestada de desavergonhados. Só vai sair porque tem que comprar o sapato para o baile. Está aborrecida, em função dos acontecimentos.
— Bom dia, Dona Cidália! Indo passear no Centro?
— Bom dia, Alva! Vou dar um pulinho ali n’A Vencedora Calçados. Sábado é o baile de debutante da minha neta, a Anita, filha do José Américo.
— Vi a vitrine: uns lindos! A Palmira vai lhe mostrar.
— Dá medo de andar por aí, com estes détraqués soltos...
— E nós aqui, com o açougue aberto! Curitiba foi tomada por estes hippies! A Lourdes, do Magazin, está fechando mais cedo. Só a Tipografia Miranda fecha depois das seis.
— Moços de cabelo comprido e de bolsa!!
— Pois domingo fui à Missa do Padre Gustavo e fiquei a-pa-vo-rada. Tomaram a Praça Garibaldi. E colocam os artesanatos no chão para vender!! É “prafrentex”!
— Tenho ido mais tarde, na do Padre Affonso. Tem mais gente. Evito circular ali com estes comunistas da tal Feirinha!
— Nem banho tomam!
— Nem me diga! Ah, se chegar o bacalhau me avise, por favor. Lembranças ao Seu Aldo.

Treta entre tribos termina em caos generalizado, em Curitiba
29/08/2012 - 23h09 | do Correiomatinal.com
Por AGAPANTO TCHUKORKOWSKI JR.
Diretamente do São Francisco
balareiro

Uma briga entre franks, badaladeiros e slims terminou com um membro arranhado feiamente próximo à região do olho e um vaso, da Municipalidade, trincado na noite de ontem. De acordo com a Guarda do Bairro, adolescentes slims estavam calmamente sentados num banco da Garibaldi’s Square, em frente ao tradicional Flower’s Clock, quando iniciou-se o confronto com um grupo de adolescentes franks, que calmamente passava pelo local. Subentendendo que seus inimigos haviam se unido para atacá-los, adolescentes badaladeiros, que circulavam por ali, reagiram.
O Inspetor da GB, Ivo Sá, encontrou um dos franks (Lírio Pina, 37, estudante) estatelado no chão com lesão no supercílio. O segurança de um bar da região esclareceu que o mesmo não fora ameaçado pelos inimigos, tendo escorregado por si e ferido o próprio olho contra a calçada, que se encontrava cheia de grimpa. A vítima, removida para o Hospital, já recebeu alta.
Os envolvidos se prontificaram a ser presos e responder inquérito, mas um deles, Thyagho Tiffa (29), tentou fugir porque estava atrasado para uma comemoração familiar. Em um terminal de ônibus próximo dali, os guardas conseguiram deter o jovem, que teve que responder a várias perguntas em público, mas não se atrasou para o evento.

Entre os confrontistas três eram fumantes, três não estavam alcoolizados, três estudavam no mesmo colégio e três portavam faca, canivete ou estilete de plástico imitando originais. Ao final, descobriu-se que não havia badaladeiros no local, e que tudo fora um equívoco provocado pela passagem, no exato momento do conflito, de um Caminhão de ‘Lixo que Não é Lixo’ Municipal, cujo sino soava para indicar que estava na área. Não se conseguiu apurar se a trincadura do vaso público teve relação com o confronto ou se já existia previamente, mas isto será investigado pela delegada de Ações Especiais da 5ª DEPTRUP, Kamilla Fanny Neves.


Cont. p. 07: (...) a formação de tribos urbanas.
Tribos urbanas, ou “grupelhos subculturais”, são micro sociedades cujo objetivo é a “solidariedade do coletivo”. Segundo a socióloga norte-coreana Michelle Raviolli, da Universidade de Nothingdale, elas se estruturam para “o combate contra o tédio existencial.” (RAVIOLLI, O coletivo posmoderno, 1953). A convivência grupal reforça o pertencimento e estimula novas relações com a tolerância e com o meio ambiente. Contra as formas institucionalizadas de protesto, as tribos valorizam sobretudo a escultura.

O paraíso é aqui

Dois aspectos históricos demonstram que Curitiba nasceu para o conceito de grupo. O primeiro é seu nome. Como explica o filólogo argentino Juan Ruflo, a etimologia é reveladora: em guarani "Curi'i" significa "pinheiros”, "tib" é um verbo existencial e "ba" é um locativo traduzível por "lugar onde naturalmente se reúnem muitos"; em tupi, “coré” seria “pinheiros” e “etuba” indicaria “ajuntamento” — Curitiba é, portanto, uma "tribo de pinheiros". O segundo aspecto remonta aos caingangues, nossos primeiros habitantes. Conforme o historiador sérvio Evilásio Afrânio, este povo, que já conhecia as Sagradas Escrituras (transmitidas pelos tcharuitecas do Suriname, que desceram até a bacia do Belém), identificando-se com a causa do personagem bíblico Cain, teria formado, então, a primeira gangue curitibana de que se teve notícia. Vale lembrar que foi do líder caingangue Xim’biica a famosa frase sobre Coré Etuba: “Tá! Tati Kéva! Ha Kantin!” (“Aqui! Aqui ó, é o lugar! Vinde!”) usada para indicar o local ideal à construção do Trevo do Atuba (posteriormente Cidade de Curitiba). Diz a lenda que, neste momento, a estátua de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais sorriu em aprovação ao sítio escolhido.
(...)


Andar pela Trajano Reis é temerário. Na esquina da Padaria América uma patotinha, em atitude suspeita, fuma e ri alto. Até moças!
Dona Cidália segue pela rua:
— Como tem passado, Dona Nair?
— Bem, obrigada! E a senhora?
— Nem me fale. A senhora acredita que depois de uma vida na casa em que cresci, e onde criei os meus filhos, vou ter que ir morar com a minha irmã, a Brasília, na Lapa. Soube o que nos fizeram?
— Não!
— Semana passada escreveram em nosso muro: “Fora, milicos...”, em referência ao papai... E grafaram uma obscenidade. São estes hippies!
— Que despautério!!
— E o pior nem lhe contei: defecaram próximo ao portão!
— Santa Efigênia!
— O José Américo e o José Ary, preocupados, decidiram vender a casa.
— Pois a Getúlia, dos cristais, aqui na Trajano mesmo, me contou que tem medo de que invadam a loja. E na Funerária Stephan já estão trancados; só o aviso:Toque a campainha e aguarde...
— O Seu Arno, das Tintas Iwersen, comentou o mesmo. Até a Bianca Bianchi, que viveu na Europa tantos anos, disse que está passada com esta violência da região!
— Até a Dona Bianca?! Violinista internacional!
— Eu queria comprar um traje n’A Modelar, mas não tenho coragem de cruzar a Praça Garibaldi!
— Melhor não ir só! Ontem voltávamos da Novena e um barbudo, aqui na Duque de Caxias, gritou: “Paz e amor, bicho.” Que aflição!
— Vou só esperar o Finados, visitar o túmulo da mamãe no Cemitério Municipal e depois me mudo.
— Quem diria? Tal devassidão!
Velha



(...)
A “Capital das Araucárias” lidera hoje o ranking das cidades mais visitadas da Terra, seguida por New York e Paris. Afinal, todos querem desfrutar dos internacionalmente conhecidos Parques curitibanos: são mais de cinco zonas de puro lazer e adrenalina. Simbolizando a integração do nosso povo, cada parque homenageia uma das tribos urbanas mais representativas de Curitiba. E por falar em tribos, conheça as que mais se destacam:

a) Os Mocinhas da Cidade — caracterizam-se pelo extremo bom gosto ao vestir-se; usam roupinhas de griffe e são fashion. Com o lema “O shopping é meu lar”, influenciaram várias tribos do mundo, como os True Blondies, de Beverly Hills.

b) Os Árticos — inspirados no clima curitibano, são identificáveis pelas roupas totalmente brancas. Descendem dos moradores da região setentrional da cidade, onde, outrora, nevava muito; com o degelo galopante da região migraram para outros bairros. Comunicam-se apenas pelo olhar e não têm lema.

c) Os Franks — sua aparência dócil deriva da ideologia do grupo: “Seja franco!” Primam pela simplicidade e costumam cantarolar canções de amor cortês. Abominando subterfúgios linguísticos e metáforas, comunicam-se por denotação.

d) Os Badaladeiros — usando piercings em forma de sinos, se reúnem para soar. Seu lema: “Boas Festas!” Regadas a suco de cajú e marcadas pelo som intenso das badaladas, suas festas treinam o cidadão para suportar a poluição sonora das megalópoles.

e) Os Slims — identificam-se com a ideia de estrutura fina e elegante. Suas roupas são desenhadas para alongar a silhueta. Consomem exclusivamente produtos de emagrecimento e inspiram-se em aparelhos eletrônicos com tela de LCD.

Profusão de culturas, de panelinhas, de muvucas — isto é Curitiba! Agora, para entender bem, veja abaixo o infográfico populacional sobre a cidade hoje e daqui a três anos:




Kymberlon, voltando pra casa: Shit! Vou mudar de calçada. Um Ártico! Se encarar vou meter porrada.
Kauíque, voltando pra casa: Fuck! Vou mudar de calçada. Um Mocinha! Se encarar vou moer ele.

Dona Cidália, voltando para casa: Santíssimo! Vou mudar de calçada! Um mal encarado! Valha-me Nossa Senhora da Luz dos Pinhais!


Luci Collin, (Curitiba, 1931), descendente dos autóctones do Primeiro Planalto Paranaense, é autora de Palimpsestos curitibanos (vilancetes) e Pentimentos curitibanos (epitalêmios). Também já publicou duas vezes em jornais da Capital.

Ilustrações: Marciel Conrado