Editorial - Cândido 65

O casamento começa a aparecer em obras literárias brasileiras a partir do romantismo, no século XIX. De lá para cá, o relacionamento a dois, ou incluindo mais pessoas, e a representação ficcional dessas uniões mudaram muito. Esta edição do Cândido trata justamente de como foram e são feitas as narrativas a respeito de formas de amar. 

Uma ampla reportagem apresenta o ponto de vista de alguns estudiosos do assunto. A professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Giovanna Dealtry observa que há uma distinção entre casamento e relações afetivas: “o amor sempre foi um tema constante na literatura, desde os clássicos, mas não necessariamente havia uma correlação com o casamento”, comenta. 

Já o professor aposentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Paulo Venturelli diz ser necessário refletir sobre que tipo de amor está em jogo quando o assunto é casamento. “A sociedade sempre temeu as flamas do desejo. Precisou discipliná-lo por meio de normas. São elaborados certos códigos e verdadeiros métodos de colonização da mente/corpo para o humano ser enclausurado dentro de uma fôrma”, alerta Venturelli, também escritor, autor, entre outros, do romance Madrugada de farpas (2015) — um dos seis livros sobre casamento indicados pelo Cândido. 

O professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Leandro Pasini explica que o casamento é o ponto de chegada das narrativas tradicionais do romance romântico e no modernismo, período que ele estuda, a noção de casamento passa a ser problematizada, entre outros por Mário de Andrade e Oswald de Andrade.

“O casamento ocorre já com o horizonte da possibilidade do divórcio [no modernismo]”, diz Pasini. O casamento, que na ficção brasileira abre espaço para triângulos amorosos, segue representado durante todo o século XX, principalmente em sua segunda metade, quando dois grandes autores se debruçam sobre o assunto: Nelson Rodrigues e Dalton Trevisan De acordo com Venturelli, Rodrigues usa o casamento para mostrar a família como um grande centro produtor de neuroses e patologias de toda espécie. 

Já o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Lourival Holanda analisa que Trevisan expôs a dramaturgia da mediocridade dos casais: “tomou o lugar-comum do tema e, no traçado sucinto dos contos, carregou no lugar-comum da linguagem dos casais: assim esvaziou o tema de qualquer grandeza."

Allan Sieber, um dos mais destacados desenhistas e ilustradores do Brasil, foi convidado pelo Cândido para recriar a capa de um emblemático livro de Dalton Trevisan, A guerra conjugal (1969) [imagem], posteriormente renomeado Guerra conjugal — adaptado para o cinema em 1974 por Joaquim Pedro de Andrade. O resultado do trabalho de Sieber está na capa desta edição.

A reportagem ainda menciona Simpatia pelo demônio, de Bernardo Carvalho, e O conto zero, de Sérgio Sant’Anna, dois livros publicados em 2016 que tratam, cada um de uma maneira, da complexidade que são os relacionamentos afetivos. 

Boa leitura!