Editorial - Cândido 63

“O cotidiano da sociedade brasileira está tão imerso no nonsense que é quase impossível superá-lo na literatura.” A afirmação é da professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Myriam Ávila, uma estudiosa do nonsense literário. De fato, o absurdo é recorrente na vida, sejam os memes das redes sociais ou algumas falas e ações do cotidiano, de personalidades a cidadãos anônimos. 

Mas, apesar da falta de sentido quase superar o absurdo na arte, o nonsense literário encontra ressonância no mundo contemporâneo. Conversando com varejeiras azuis, livro de Edward Lear (1812-1888), foi lançado recentemente no Brasil e tem cada vez mais espaço nos jornais brasileiros, de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás ao Rio Grande do Sul. A obra reúne parte da prosa, poemas e desenhos [confira a imagem desta página] do autor conhecido como o avô de todos os movimentos modernos que “brincam” com a lógica e com a linguagem. 

Esta edição do Cândido traz uma ampla reportagem sobre o nonsense, que tem origens na Grécia Antiga, passa pela obra de William Shakespeare, e impacta atualmente no cinema e na literatura de Tim Burton, nas letras das canções de Djavan e Luiz Melodia e, entre outros, na ficção de Manoel Carlos Karam e na poesia de Sérgio Medeiros. Este, inclusive, participa do especial nonsense traduzindo um trecho de Sílvia e Bruno, romance de Lewis Carroll (1832-1898), ainda inédito no Brasil, que em breve será viabilizado no país pela Iluminuras. 

Ao lado de Lear, mas sem conhecê- lo, Carroll é outro pioneiro do nonsense vitoriano inglês do século XIX — Dirce Waltrick do Amarante, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afirma que esse gênero literário só começa a ser discutido seriamente depois da publicação de Um livro de nonsense (A book of nonsense), de Edward Lear, em 1846. 

O assunto é complexo e, evidentemente, tem direito ao contraditório. O professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC- -RS) Bernardo Bueno afirma que o nonsense não é um gênero, mas uma característica presente em textos de gêneros variados. “Alguns desses textos que fazem uso do nonsense são mais humorísticos, outros mais críticos”, diz. 

O Cândido explica o que é o nonsense literário, de que assuntos trata e traz uma relação de seis livros que os interessados podem ler. Além disso, o nonsense pode ser conferido já na capa, na intervenção de Adriana Peliano, e por meio da prosa de Eve Ferreti, apontada por Dirce Waltrick do Amarante como uma das autoras mais instigantes do presente por dialogar com o legado de Lear e Carroll. 

A edição também traz a transcrição de uma entrevista com a escritora Ana Maria Machado, que recentemente participou de um encontro com o público da Biblioteca Pública do Paraná. Poemas inéditos de Chacal e a participação do cantor e compositor Guilhermes Arantes na seção Perfil do Leitor são outros destaques. 

Boa leitura!

jhj