Contracultura barra pesada

Trainspotting, o filme, completa 20 anos de lançamento com uma sequência anunciada para 2017 — e o desafio de conquistar uma nova geração de fãs


Omar Godoy

    
                                                                                                                                          Reprodução
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O aniversário de 20 anos da estreia de Trainspotting nos cinemas trouxe uma notícia esperada há algum tempo pelos fãs: a sequência da história já está em produção e tem lançamento previsto para janeiro de 2017 no Reino Unido. Também baseado num livro de Irvine Welsh, e com a mesma equipe técnica e elenco do primeiro longa, T2 certamente será um dos maiores lançamentos da próxima temporada. Mas o próprio Welsh, desta vez envolvido diretamente na realização do filme, tem dúvidas sobre o público que a continuação vai atingir. 

Em entrevistas recentes, o escritor (e agora produtor executivo) tem repetido que o sucesso do novo projeto entre a audiência adulta está garantida. Os mais jovens, no entanto, podem identificar um tom saudosista na história e simplesmente ignorá-la. Nesse sentido, Welsh tem toda a razão. Afinal, Trainspotting é um dos símbolos mais fortes de uma contracultura totalmente fora de moda nos dias de hoje. 

Em 1996, quando o primeiro filme estreou, o mundo pop andava meio  “feio, sujo e malvado”. Da violência sarcástica de Pulp Fiction ao rock barulhento e angustiado do Nirvana, boa parte da produção artística estava impregnada de niilismo, rebeldia, humor negro, escapismo via drogas, bad boys e femmes fatales. Ou seja: todos os elementos que o livro de Irvine Welsh, adaptado por Danny Boyle, tinham de sobra. 

Com apenas um longa no currículo (Cova rasa, de 1994), o diretor fez sua grande apresentação ao mundo contando a saga de um grupo de amigos desocupados na Escócia do fim dos anos 1980. Sem perspectivas, eles passam os dias se drogando (especialmente com heroína), saindo para beber e cometendo delitos. Uma rotina inicialmente mostrada de forma cômica, mas que ganha contornos trágicos no decorrer dos acontecimentos. Ainda assim, não há lugar para o moralismo — algo impensável na obra de Welsh. 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                     Reprodução
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Ajudado pelo roteirista John Hodge (também presente em T2), Boyle transformou essa trama em uma narrativa frenética e de grande impacto visual. Não à toa, o filme é marcado por várias sequências memoráveis, seja pelo humor (às vezes escatológico) ou por beirar o surreal. Quem não lembra do mergulho de Renton (Ewan Mc- Gregor) na privada do banheiro mais imundo do planeta? Ou da cena em que ele se afunda num tapete durante uma viagem de heroína? 

A trilha sonora foi outro trunfo de Trainspotting. Reuniu nomes quentes do britpop (Pulp, Elastica, Damon Albarn do Blur) e da cena eletrônica (Underworld, Leftfield, Bedrock) com artistas clássicos como Lou Reed, Iggy Pop e Brian Eno. Era raro encontrar um jovem “antenado” que não tivesse em casa pelo menos um dos dois CDs lançados com as músicas do longa. 

Além de virar cult instantaneamente, o filme obteve um incrível retorno financeiro (custou 2 milhões de libras e arrecadou 72 milhões), ganhou diversos prêmios (a maioria concedida ao roteiro) e alavancou a carreira de todos os envolvidos na produção. Principalmente de Ewan McGregor, hoje um astro de cinema internacional, e Danny Boyle, vencedor do Oscar, do Globo Ouro e do BAFTA por Quem quer ser um milionário? (2008). 

Apesar de todo esse sucesso, Irvine Welsh já revelou que esperava mais do legado de sua obra. Quando Trainspotting estourou mundialmente, ele acreditava estar presenciando o surgimento de um novo movimento artístico e comportamental britânico, puxado pelo longa, pelas bandas da trilha e por toda a geração de atores e técnicos revelada naquele momento. Não foi o que aconteceu. Segundo o escritor, o filme acabou virando uma espécie de réquiem do Reino Unido pré-globalização. Mesmo assim, ele apostou em Pornô (2002), livro sobre o reencontro dos personagens e seu envolvimento com a indústria do cinema erótico — e que serviu de base para o script da continuação. 

Com o mesmo time de 1996 e um orçamento muito maior (cerca de 13 milhões de libras), T2 é, desde já, um forte candidato a hit de 2017. A não ser que, como teme Welsh, o argumento barra pesada não atraia a audiência jovem, acostumada com uma outra contracultura absorvida pelo mainstream nos últimos anos. Para a geração chegada em cicloativismo, alimentos orgânicos, produtos artesanais, programas ao ar livre e discussões de gênero, o universo sombrio e irônico de Welsh talvez seja extremamente degradante.