Conto | Rafael Sperling

Emoção

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Eu a conheci em uma festa. Estava muito nervoso, mas andei até ela e disse que a achava muito bonita e que queria ficar com ela. Ela me disse que eu era muito feio e fedia, e que não ia ficar comigo, nem em milhão de anos. Eu comecei a chorar desesperadamente e saí correndo, esbarrando nas pessoas, até que escorreguei e caí no chão, batendo forte com a cabeça. Ela veio correndo até mim, chorando, e disse que estava arrependida do que havia dito, que eu era muito bonito e cheiroso, e que queria ficar comigo pra sempre. Eu, que chorava por causa da fratura em minha cabeça, passei a chorar também de emoção, por causa de sua declaração de amor.


Marcamos o casamento para o dia seguinte, mas como estávamos com pressa acabamos nos casando no mesmo dia. Estávamos apaixonados e a emoção era muito grande. No dia seguinte fomos direto para a nossa lua de mel, em Cancun, e passamos uma semana inteira deitados na cama do hotel, chorando, olhando nos olhos um do outro. Após uma semana voltamos para casa. Havíamos comprado uma, lá de Cancun mesmo, para não perdermos tempo, uma casa para nós dois. Como estávamos muito emocionados, ficamos chorando a primeira noite toda, abraçados. No dia seguinte, demos uma festa, para amigos próximos. A festa estava ótima, estava tudo muito bom, então não aguentamos e começamos a chorar. Nossos amigos também ficaram muito emocionados e começaram todos a chorar. Ficamos todos juntos chorando, até o final da noite.

No dia seguinte fui trabalhar. Era meu primeiro dia de trabalho depois que nos casamos. Quando cheguei em casa olhei para ela e não aguentei, comecei a chorar. Sentamo-nos no sofá para ver a novela. Os personagens eram muito dramáticos e toda hora choravam, o que nos convidava a fazer o mesmo, era muita emoção. Depois começou um outro programa no qual as pessoas podiam ganhar muitos prêmios. Quando elas ganhavam, choravam muito, e nós não conseguíamos nos segurar, logo, chorávamos com elas, abraçados à tela do televisor.

No dia seguinte fomos ao parque. Estava muito bonito e com uma temperatura agradável, o que fez nossas lágrimas rolarem. Foi aí que avistamos uma criança que brincava com sua mãe. A criança disse que amava sua mãe, abraçou-a e chorou. A seguir, choramos também. Afinal, somos um tanto emotivos. Deitamos na grama para descansar um pouco. Quando já estávamos deitados, ela retirou de sua bolsa uma carta, enorme, de dez páginas; era uma declaração de amor. Eram dez páginas das mais belas palavras, dizendo como eu era bonito, sensual, cheiroso, forte e másculo. Quando terminei de ler a carta, vi que ela já chorava, então não me aguentei e comecei a chorar muito, muito forte. Chorei esse choro barulhento e descontrolado. Ela começou a fazer o mesmo e nos abraçamos, e passamos vários e vários minutos soluçando e derramando nossas lágrimas e corrimentos nasais um no outro. Choramos tanto que desmaiamos, só acordamos no dia seguinte, um tanto desidratados, numa poça de lama formada por nossas lágrimas. À noite, estávamos deitados em nossa cama e começamos a ouvir uma música na rádio. A música era muito bonita; nos identificamos com a letra e ficamos muito emocionados, começamos a chorar muito. A música falava sobre um casal que estava deitado em sua cama e então começava a ouvir uma música na rádio que falava sobre um casal que estava deitado em sua cama e ouvia uma música sobre um casal que estava deitado em sua cama e que ficava emocionado por causa da música cafona que estava tocando na rádio.

Vivemos felizes para sempre, até o dia em que ela morreu. No dia em que ela morreu, eu fiquei muito sério.

Rafael Sperling
nasceu em 1985 no Rio de Janeiro, onde vive. Compositor e produtor musical, em 2011 lançou seu primeiro livro, Festa na usina nuclear. Suas histórias foram publicadas em sites, revistas e jornais, como a Revista Machado, jornal Rascunho, Lichtungen (Áustria), Faust-Kultur (Alemanha), 2384 (Espanha) e Rattapallax Magazine (EUA).

Ilustração: Diego Gerlach