Conto: Anotações de viagem a Juqueí

Ivana Arruda Leite

Qdo Alberto me ligou propondo q saíssemos uns dias eu fiquei feliz feito criança, torcendo p/ não chover. Dessa vez ia dar tudo certo. Fazia tempo q não viajávamos juntos. Ele disse q às 10 passaria p/ me apanhar. Desci e fiquei esperando na portaria. 10 e meia, 11 e nada dele chegar. O zelador me olhava morto de dó. Cena típica de novela: o mocinho deixa a mocinha esperando e não aparece. Ao ½ dia eu subi, pus pijama e me enfiei na cama aos prantos. Não é a 1ª vez q ele me apronta uma dessas. Qdo ele chegasse eu ia mandar ele à puta que o pariu e falar q não ia viajar + porra nenhuma.
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Às 3 da tarde ele buzinou e eu desci. Entrei no carro c/ a maior cara de choro mas ele nem reparou. Disse q tinha tido uns contratempos, me deu um beijinho e foi em frente. Nem perguntei p/ onde. Q me levasse p/ onde quisesse. Juntos já percorremos os piores lugares do planeta. Dessa vez viemos parar em Juqueí.

Qdo entrei no quarto e vi a cama de casal com 2 travesseiros, pensei: oba! Nunca mais serei sozinha. Até parece... Cadê o casal que estava aqui? O fogo queimou, a água apagou, o boi bebeu. C/ Alberto eu tô spre sozinha. No maior bom humor, ele vestiu a sunga e me arrastou p/ piscina. O dia tava lindo de doer. Eu fiquei na água enqto ele mamou uns 4 gins-tônicas. A tarde pedia.

Jantamos ali mesmo, na beira da piscina. Robalo c/ molho de amêndoas e creme de espinafre. Delicioso! S/ dúvida, a melhor coisa da viagem. Pensar q vim tão longe p/ voltar c/ a lembrança de 1 peixe grelhado e a barriga vazia.

Comigo é sempre assim. E o pior é q eu não aprendo.

Depois do jantar fomos p/ o bar do hotel e mandamos ver na vodca com gelo e limão. Alberto subiu p/ quarto tropeçando. Levei umas revistas p/ ler antes de dormir.

Ele ainda teve a pachorra de ligar p/ mulher p/ saber se tava tudo bem, se ela tinha dado comida p/ cachorros, se tinha levado o filho ao médico, etc., etc., etc. Mesmo qdo viaja c/ a amante, ele é todo cuidados c/ a maledetta. Mas bastou q eu colocasse minha perna em cima da dele p/ ele estrilar: “pô, vc não vê q eu não tô legal?”.

Dormi mal e acordei cedo. São 10 e 15 e eu já tomei café da manhã.

Alberto dorme feito uma pedra. Por sorte, o dia amanheceu chovendo. Daqui a pouco vou acordá-lo e sugerir q a gente vá embora antes que vença a próxima diária. Tomara que ele tope.

Esse bloquinho que encontrei na gaveta do criado-mudo vai comigo pra SP, assim como a lembrança do robalo grelhado. A melhor coisa da viagem. A barriga volta vazia como sempre.


Ivana Arruda Leite nasceu em Araçatuba, São Paulo, em 1951. É mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo e autora dos livros Falo de mulher (2002), Eu te darei o céu (2004), Ao homem que não me quis (2005) e do juvenil Confidencial (2002), entre outros. Participou de inúmeras antologias no Brasil e no exterior, e escreve desde 2005 no blog Doidivana (doidivana.wordpress.com). Vive em São Paulo (SP).