Capa | O Samurai do desenho curitibano

O paulista Cláudio Seto fez história ao trazer o mangá para o Brasil e ajudar a impulsionar a produção nacional de quadrinhos


Kaype Abreu


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O ilustrador e quadrinista Cláudio Seto foi um personagem marcante do meio cultural curitibano a partir da década de 1970. Além de atuar em jornais (por exemplo, no Correios de Notícias como ilustrador), seu trabalho tem importância fundamental na história do mercado editorial gráfico local e brasileiro. 

A jornalista Maria Helena Uyeda conviveu com o ilustrador e assina, em parceria com ele, Ayumi — caminhos percorridos (2002), obra que conta a história da imigração japonesa no Brasil. “Seto era um visionário”, diz Maria Helena. Há motivos para não só ela, mas uma legião de fãs de quadrinhos, endossar a frase. Seto é considerado o “pai” do mangá no Brasil.

Na década de 1960, o artista foi convidado para trabalhar na Edrel, extinta editora de São Paulo, que — até aquele momento — importava mangás — histórias em quadrinhos de origem japonesa — e também produzia conteúdos autorais. Na empresa, Seto dá continuidade a, entre outros quadrinhos, Flavo — história que fala sobre um garoto- robô, inspirada em Astroboy, de Osamu Tezuka, influência fundamental para o ilustrador nascido em Guaiçara (SP), em 1944, e radicado em Curitiba, onde viveu até morrer, em 2008. 

Seto morou no Japão dos sete aos 17 anos. Foi lá que conheceu a obra de Tezuka, uma referência no mangá. O jornalista Ivan Carlo, que assina o livro Grafipar — A editora fora do eixo com o pseudônimo de Gian Danton, observa que Seto, mais do que apenas reproduzir o desenho japonês, também imprimiu um toque pessoal, o que resultou em um desenho único. “Ao misturar o mangá com os quadrinhos brasileiros, ele criou um estilo totalmente inovador”, argumenta. “Seto antecipou o sucesso que faz hoje A Turma da Mônica Jovem”, complementa, citando uma recente versão da história de Maurício de Souza recriada no estilo mangá. 

É o próprio Seto, no documentário O samurai de Curitiba, de José Padilha, que conta como surgiu a paixão que o acompanharia durante toda sua vida. Quando era criança, o verso da superfície quebrada de um espelho foi usado pelo seu irmão para desenhar um salgueiro. “E das folhas caindo da planta desenhada ‘saía’ um haicai que dizia assim: ‘espelho quebrado/ vaidade aos cacos/ surge o Monte Fuji”, diz Seto. Para Ivan Carlo, o mangá — assim como esse episódio da infância do ilustrador — é a união perfeita da linguagem gráfica com a palavra escrita. 

Na década de 1970, a Edrel encerrou as atividades, Seto se mudou para Curitiba e foi convidado para trabalhar na editora Grafipar, onde reuniu uma competente equipe de roteiristas e desenhistas, formada, entre outros, por Franco de Rosa, Nelson Padrella, Paulo Leminski e Fernando Bonini. “A partir da chegada do cartunista na casa editorial curitibana, a produção própria da Grafipar é impulsionada”, afirma Ivan Carlo.

O jornalista conta que era comum editoras do exterior oferecerem a republicação de seus quadrinhos. “Seto, no entanto, analisava o produto, recusava e fazia uma história do mesmo gênero, mas com um estilo próprio”, diz. 

Na Grafipar, Seto também retomou personagens criados na Edrel, como a Maria Erótica — trama que misturava romance policial e sexo, com um viés cômico, para contar a história de uma garota inicialmente reprimida, mas que se torna sexualmente liberal. E republica as histórias de O samurai — personagem que rendeu apelido ao próprio autor —, narrativa que se passa no Japão feudal, misturando violência e erotismo.

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Na Grafipar, Seto esteve envolvido na produção das revistas Maria Erótica,
Protons (de ficção científica) e Neuros (de terror).

De ilustrador à agitador cultural
Quando a Grafipar fechou as portas, na década de 1980, Seto, além de se manter ativo na imprensa, passa a se dedicar às artes plásticas, à fotografia, aos livros e à tarefa de preservar a cultura japonesa no Paraná. É dele, por exemplo, a autoria de Lendas trazidas pelos imigrantes do Japão (2008), seu último livro, que resgata as histórias passadas oralmente de geração para geração e contadas por muitos imigrantes japoneses, inclusive seus avós. 

O ilustrador é o principal responsável por trazer o Matsuri (festival de cultura japonesa) para Curitiba. Em 1991, Seto “ventilou” na imprensa que aconteceria uma festa de celebração da cultura japonesa, mas, na realidade, não havia nenhum evento preparado. “A celebração acabou sendo um sucesso e, em dois anos, teve que ser feita num local maior”, conta a produtora cultural Suemi Hamasaki — a primeira edição foi realizada no Clube Nikkei, no bairro Uberaba, e, recentemente, passou a ser realizado no Museu Oscar Niemeyer (MON). 

De meados da década de 1980 até os anos 2000, Seto publicou charges em diversos jornais, como Tribuna do Paraná e O Estado do Paraná — neste último, trabalhou até morrer, em 2008, vítima de um acidente vascular cerebral. Pessoas próximas ao artista, ouvidas pela reportagem do Cândido, o definem como um sujeito generoso, discreto e bem-humorado. Uyeda, a amiga e ex-colega de redação, conta que amigos e familiares organizaram uma festa surpresa e se espantaram com a presença do próprio Seto, entre os convidados, vestido de mulher. Para Hamasaki, o ilustrador era como “guru”. “Ele tinha uma capacidade imensa de agregar pessoas e fazer elas mostrarem o seu melhor”, afirma.