Cândido indica

Algo infiel
Guilherme Gontijo Flores e Rodrigo Tadeu Gonçalves, N-1 Edições, 2017 
Os professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Guilherme Gontijo Flores e Rodrigo Tadeu Gonçalves reuniram em um livro mais de 50 ensaios em que discutem as relações entre texto escrito, sua vocalização e performance. Ilustrado com fotografias de Rafael Dabul, o conteúdo instiga por debater questões desde a antiguidade até o tempo presente. Em um dos textos, há uma “iluminação”: o observador está em um show de Maria Bethânia e fica perplexo pelo fato de a cantora interpretar um clássico de Zezé di Camargo & Luciano, “É o amor”. O estudioso teve que aceitar “aquilo”: uma cantora elogiada pela crítica cantando, performando uma canção, em tese, de gosto duvidoso. Algo infiel ajuda, enfim, a repensar as possibilidades, por que não?, mágicas da palavra falada.

Esperando Godot
Samuel Beckett, Cosac Naify, 2005 
Os maltrapilhos Vladimir e Estragon esperam Godot durante um entardecer. A localização é incerta. Uma árvore e uma pedra compõem o cenário. Sobre os dois, sabe-se que usam chapéu-coco e são incapazes de sorrir sem se recriminarem. Godot não aparece, mas os suplicantes se recusam a partir. Entediado, a certa altura, Estragon sugere que se enforquem. Não o fazem. É preciso esperar Godot. A grande tensão entre os personagens se dá com o advento de Lucky e Pozzo, mestre e vassalo, responsáveis por situações absurdas e algum alívio cômico. A aridez da escrita conversa com a desesperança generalizada nesta peça de teatro seminal, obra-prima do existencialismo, escrita pelo irlandês Samuel Beckett. 

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Minha massa encefálica despenca como se de um desfiladeiro
Victor H. Turezo, Patuá, 2017 
Símbolos, referências, memórias e recortes do cotidiano compõem os poemas deste livro de estreia, no qual o eu lírico, que não teme se mostrar frágil e incapaz, funciona como um periscópio a captar impossibilidades — as próprias e daqueles que o cercam, reverberando a dor alheia. São versos sobre a luz que se aproxima e arrefece, sobre os delírios que alimentam o cotidiano mecânico, berrados por um sujeito lírico que desaprendeu a viver, afinal, “tudo não é e deixou de ser”. E nada disso poderia ser diferente, enfim, já que “só é possível cavoucar poesia dentro de corpos/ que não suportam mais”. É assim que o curitibano Victor H. Turezo estreia, com uma poesia confessional, imagética, expondo o desespero de ser humano sem meias palavras. 

A descoberta da escrita
Karl Ove Knausgard, Companhia das Letras, 2017 
Neste que é o quinto livro da série Minha luta, o norueguês Karl Ove Knausgard rememora o fracasso que foi sua temporada na escola de escrita criativa Skrivekunstakademiet, na cidade universitária de Bergen. Incapaz de lidar com as — constantes — críticas negativas aos seus contos e poemas, Knausgard viveu um período intenso de bebedeira e brigas, colecionando amores fracassados e desafetos. Tudo é narrado com a crueza característica desta série autobiográfica, na qual o escritor não teme expor seus pensamentos mais obscuros e seus atos mais infames, sem medo de se mostrar ridículo e falho, julgando a si mesmo sem complacência.