Bueno também deixou sua marca no jornalismo

Nicolau, jornal editado por Wilson Bueno entre as décadas de 1980 e 1990, agitou a cena literária brasileira, alcançou tiragens enormes, ganhou diversos prêmios, fez carreira internacional e ainda hoje tem seu nome indissociavelmente ligado à figura de seu editor

Guilherme Sobota

Quem tem trinta anos ou mais hoje e se interessava por literatura nos anos 1990, certamente ainda lamenta a morte de Nicolau, o mítico periódico editado por Wilson Bueno. Foi com o escritor paranaense à frente da edição que o Nicolau escreveu seu nome na história da imprensa nacional.

Responsável por um frescor bem-vindo ao jornalismo brasileiro em um período de ressaca da imprensa cultural, Nicolau pode ser comparado a outras experiências inovadoras no jornalismo brasileiro, como O Pasquim e as revistas Klaxon e Joaquim, a quem o editorial da primeira edição do periódico curitibano prestava reverência. O nome também era uma homenagem “aos vários estratos de imigrantes que formam esta terra [Paraná].” Em uma entrevista ao jornal O Estado do Paraná, em março de 1988, Bueno afirmava que o Nicolau não era um jornal literário, mas sim um veículo que também queria apreender “o resgate do passado curitibano e a experiência da nossa gente.”

Nicolau
nasceu em 1987 e foi editado por Wilson Bueno durante sete anos, até 1994, em 55 edições. E logo no seu primeiro ano, o periódico
Nicolau
já começou a fazer barulho. Com um time de colaboradores locais de peso, como Paulo Leminski, Domingos Pellegrini, Jamil Snege, Manoel Carlos Karam, Valêncio Xavier e Solda, o jornal fazia a ponte com o eixo cultural brasileiro, com outros tantos grandes colaboradores de várias partes do Brasil.

Nicolau começou a circular em julho de 1987. Em seu primeiro número, Bueno avisava os leitores que não “pretendia ser uma publicação a serviço de tendências, grupos, escolas, facções, mesmo porque tal postura alienaria, de um projeto aberto e democrático, a significativa contribuição de parcelas ponderáveis da intelligentsia nacional.”

“Espelho e síntese do trabalho de nossos criadores”, continuava Bueno, “Nicolau se quer, assim, como o registro vivo, inquieto e perturbador do tempo em que vivemos e diante do qual se impõe, para nós, ao menos, um único e inextricável compromisso: o de contribuir, ainda que modestamente, para o progresso humano, sem o que a vida de um homem não faz sentido, nem o seu destino.”

Com uma tiragem expressiva, que chegou a 150 mil exemplares, Nicolau era distribuído em todo o Brasil, por meio de assinaturas. O jornal também chegava a países como Alemanha, Itália, Estados Unidos e França.

A década do Nicolau

Para a designer gráfica Rita de Cássia Solieri Brandt, os dois anos e meio em que trabalhou no Nicolau foram “inesquecíveis”. Em um tempo em que os programas de diagramação ainda estavam para serem inventados, a equipe levava “15 dias para montar o jornal, em meio a tiras de texto, fotolitos, xerox, tinta nanquim e trabalhos manuais.” Para Rita, que hoje coordena o trabalho de desenho gráfico da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, receber na redação visitas de Paulo Leminski, Poty Lazzarotto e outros colaboradores do Nicolau era um evento muito marcante. “Além do projeto gráfico, feito pelo Luiz Antônio Guinski, que, dadas as condições, também era muito bom”, diz, reafirmando o caráter experimental do jornal.

O primeiro prêmio do Nicolau veio no seu ano de criação. A Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) o considerou o “Melhor Veículo de Divulgação Cultural do Brasil” de 1987. “Foi com esse prêmio que sentimos a dimensão do nosso trabalho, foi quando caiu a ficha”, lembra-se Rita. No final da década, a APCA ainda daria ao Nicolau o prêmio de melhor veículo cultural da década. O então presidente da Associação, Henrique Alves, disse na ocasião que aquela tinha sido “a década do Nicolau”. Em 1988, a União Brasileira dos Escritores concedeu a Wilson Bueno o “Prêmio do Mérito Cultural” que, segundo o próprio Bueno, só foi possível graças ao seu trabalho no Nicolau. Em 1994, a International Writters Association cedeu ao jornal o prêmio IWA, concedido por um júri de intelectuais de diversos países.

A morte do Nicolau

O Nicolau começou a definhar no início de 1995. O secretário da Cultura do governo Jaime Lerner, Eduardo Rocha Virmond, alegando querer um jornal com várias influências intelectuais, interferiu no veículo. Bueno reagiu. Ele e sua equipe – na época quatro pessoas – se demitiram ao verem esgotadas as tentativas de negociação com o secretário. A crise iniciou-se em janeiro daquele ano, quando a equipe entregou os fotolitos do jornal para aprovação do novo secretário e não obteve resposta. Aquela edição continua até hoje inédita.

A briga foi parar na imprensa. Na edição de 30 de março de 1995 da Folha de Londrina, Virmond e Bueno trocaram farpas em público. O secretário dizia querer um Nicolau mais abrangente. “Imagino um novo Nicolau, como o New York Book Review. Quero um jornal que tenha várias influências intelectuais e não só de um grupo, como o de poesia, que dominou o jornal antes. Só que eles não concordam e até pediram demissão. Se não gostarem dessa abertura do jornal, eles podem ir embora.” Bueno, por sua vez rebateu: “Vou aplaudir de pé se o secretário conseguir fazer um New York Book Review paranaense.”

O imbróglio não teve solução e na edição de número 55, Bueno se despediu do jornal. Nicolau ainda sobreviveu mais cinco edições, sob a edição do próprio Virmond e da jornalista Regina Benitez, e teve seu número final em 1998, já sem as características que fizeram dele uma referência do jornalismo cultural brasileiro.