Reportagem | Editoras independentes 05/03/2020 - 14:09

Livro lado B

Editoras independentes brasileiras promovem uma pequena onda de lançamentos de títulos sobre artistas do rock alternativo


Fábio Galão

Livros sobre artistas do rock alternativo, ou escritos por eles, costumam ficar escondidos nas prateleiras dedicadas à música das grandes livrarias brasileiras e engrossam apenas esporadicamente o catálogo das maiores editoras do país. Insatisfeitas com isso, pequenas editoras estão promovendo no mercado nacional uma leve enxurrada de títulos, que deságua principalmente via e-commerce e no circuito de livrarias independentes, de rua, além de lojas de discos.

A onda ganhou cores mais regionais recentemente com Corredor Polonês — Patife Band e a Criação da Obra-prima Esquecida do Rock Brasileiro, do fotógrafo Marcelo Dallegrave e da jornalista Melissa Medroni, publicado pela editora curitibana Barbante. Lançado em 1987, Corredor Polonês foi o único álbum da banda Patife Band, projeto do londrinense Paulo Barnabé (leia entrevista com ele) que marcou época no underground por sua mistura da agressividade do punk rock com técnicas da música erudita e de vanguarda. Com textos sobre cada faixa, o livro combina informações sobre a composição e gravação do repertório com impressões e lembranças dos autores, como do show de lançamento do álbum que Dallegrave viu em Curitiba, no Paiol, em 1988.

“É um disco cultuado até hoje porque o Paulo é um gênio, sabia o que estava fazendo. Era algo diferente do que estava acontecendo, que vinha da vanguarda paulista, fora da curva. E também porque não está mais disponível em lugar nenhum. Não existe no Spotify, a gravadora não relança. Eu considero um dos cinco melhores discos do rock nacional”, afirma o fotógrafo.

 

Agains Me


A banda de punk rock norteamericana Against Me! é liderada pela vocalista transgênero Laura Jane Grace (à direita). Foto: Reprodução/Facebook

Corredor Polonês foi o quarto lançamento sobre música da Barbante, que também se dedica a outras áreas, como fotografia, literatura e livros infantis. “Mas a música é o carro-chefe da editora. Só não cravamos isso porque seria limitador”, explica Alessandro Andreola, que criou a editora em 2016 com a também jornalista Paola Marques.

Andreola, que já havia trabalhado em jornalismo cultural, produção de rádio, discotecagem e curadoria musical na internet, escreveu a coletânea de artigos Música do Dia (2016) e The War on Drugs: Lost In The Dream (2017), ambos da própria editora. O segundo foi relançado para abrir, junto com Corredor Polonês, a série Sound+Vision (título de uma música de David Bowie), que aborda, faixa a faixa, álbuns de bandas alternativas em textos acompanhados por artes inspiradas nas canções — no caso do disco da Patife Band, fotos conceituais de Theo Marques.

“O que gosto mais na coleção 33 1/3 [série criada pelo editor britânico David Barker na qual Sound+Vision foi inspirada] é que ela é bem aberta, vai de Velvet Underground a Céline Dion. E eu sentia falta de coisas mais contemporâneas, tem muita banda que a gente curte que não tem nada [livros] em português”, diz Andreola. A Barbante também lançou Ouça Este Livro!, de Cassiano Fagundes, e planeja traduções de títulos estrangeiros sobre música. “A gente acredita que existe público para isso”, aponta o editor.

Formação analógica
Outras pequenas editoras brasileiras também têm se dedicado a lançamentos de livros relacionados ao universo da música indie. A paulista Terreno Estranho foi criada a partir do programa de rádio homônimo de Nilson Paes e tem o jornalista Fabio Massari como conselheiro editorial.

“O público que cresceu ouvindo essas bandas foi evoluindo e amadurecendo junto com elas, então são pessoas que querem relembrar aquela época e / ou ter acesso a informações e curiosidades sobre os artistas que admiraram a vida toda. E, por ser um público mais maduro, tem poder aquisitivo para comprar livros, que é um produto caro no Brasil”, diz o editor Marcelo Viegas — que explica que, pelas tiragens pequenas e pelo acabamento, os preços de capa acabam sendo mais altos.

 

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A banda escocesa The Jesus and Mary Chain se apresentou no Brasil em 2019. Foto: Divulgação

 

Assim como outras editoras do nicho, a Terreno Estranho não lança e-books. “Estamos falando de um público formado no analógico, que cresceu com LP, K-7, CD. Para ele, essa questão tátil, de ter o produto na mão, ainda é importante”, justifica Viegas.

Outra editora paulistana com origem em uma atividade diferente é a Powerline, agência de conteúdo musical e curadoria de shows criada em 2014 e que desde 2018 lançou três livros de / sobre artistas alternativos — sempre relacionados a eventos da agência. Um deles, Tranny: Confissões da Anarquista Mais Infame e Vendida do Punk Rock, é a autobiografia de artista transgênero Laura Jane Grace, líder da banda Against Me!, que tocou no Brasil em 2018.

“A gente depende muito dos shows para ter fôlego para lançar os livros, que não dão lucro, apenas se pagam. Em 2019, com poucas bandas se interessando em tocar no Brasil e a alta do dólar, tivemos menos shows, mas para 2020 temos dez agendados e estamos pensando em outros livros”, aponta Raquel Francese, sócia da editora.

Assim como a Powerline, a também paulistana Sapopemba teve seu primeiro lançamento, uma biografia do The Jesus and Mary Chain, amplificado por um evento: a passagem da lendária banda escocesa pelo Brasil em 2019. “A ideia era até lançar mais para a frente, mas antecipamos por causa do show”, diz o jornalista Filipe Albuquerque, um dos sócios da empresa e que mora em Curitiba.

A Sapopemba, entretanto, não quer ficar restrita a títulos sobre música — o segundo lançamento da editora foi Pastrix, A Revolução de Uma Santa Pecadora, de Nadia Bolz-Weber. “Tudo que é cultura pop nos interessa, e a Nadia se encaixa muito nisso. Ela é uma ministra luterana dos Estados Unidos, mas tem uma abordagem muito diferente, é toda tatuada, cita bandas de rock e tem um ponto de vista muito mais progressista do que se espera de um líder religioso tradicional”, aponta Albuquerque.

 

A reportagem do Cândido preparou uma seleção com nove títulos publicados nos últimos anos por editoras indie brasileiras. Veja a seguir.

The War on Drugs: Lost in the Dream
Alessandro Andreola, Barbante, 2017 
Ensaio sobre o terceiro disco da banda americana The War on Drugs, liderada por Adam Granduciel, com ilustrações de André Ducci acompanhando cada faixa. “Foi um projeto pessoal meu, estava obcecado por esse disco e fiz [o ensaio] para tirá-lo do meu sistema”, diz o autor.

Corredor Polonês — Patife Band e a Criação da Obra-prima Esquecida do Rock Brasileiro
Marcelo Dallegrave e Melissa Medroni, Barbante, 2019 
O processo de composição e gravação do álbum é dissecado com base em relatos de Paulo Barnabé, de outros integrantes da banda à época e do produtor Pena Schmidt, em meio a reflexões como “o que Fernando Pessoa pensaria ao ouvir a versão musicada de ‘Poema em Linha Reta’?”.

Jrnls80s
Lee Ranaldo, Terreno Estranho, 2018 
Ao lado de A Garota da Banda, autobiografia da vocalista Kim Gordon que saiu no Brasil por um selo da Rocco, este livro é fundamental para os fãs do Sonic Youth. Aqui, o guitarrista reúne anotações de diário, poemas, cartas, letras e divagações dos primeiros anos do quarteto nova-iorquino.

The War on Drugs: Lost in the Dream
Corredor Polonês
Jrnls80s

 

The Sick Bag Song
Nick Cave, Terreno Estranho, 2018 
Relato pessoal do ex-Birthday Party e atual líder dos Bad Seeds — um dos nomes fundamentais da mistura de indie rock com a escuridão do som “adulto” de Leonard Cohen — sobre uma turnê de 22 dias pelo Canadá e pelos Estados Unidos em 2014.

Vamos Nessa (Para Podermos Voltar)
Jeff Tweedy, Terreno Estranho, 2019 
Autobiografia do ex-integrante do Uncle Tupelo, que se tornou bem mais conhecido como líder do Wilco, banda de Chicago respeitada por levar folk e country (com algum experimentalismo) às plateias de indie rock.

Tranny
Laura Jane Grace, Powerline, 2018 
A vocalista da banda punk Against Me! descreve sua vida e carreira com foco na mudança de gênero, anunciada em 2012, quando tinha 32 anos de idade e a banda, 15 de estrada. O primeiro disco do grupo após a mudança foi intitulado Transgender Dysphoria Blues (“Blues da Disforia de Gênero”).

The Sick Bag Song
Vamos Nessa (Para Podermos Voltar)
Tranny

 

Nossa Banda Podia ser sua Vida
Michael Azerrad, Powerline, 2018 
O livro do jornalista americano reúne breves biografias de dez bandas seminais do rock alternativo americano dos anos 1980, como Black Flag, Hüsker Dü e Fugazi, que pavimentaram o caminho para que o Nirvana e outros grupos oriundos de pequenas gravadoras estourassem na década seguinte.

Garotas à Frente
Sara Marcus, Powerline, 2019 
A história do movimento Riot Grrrl (“garota tumulto” — com a imitação do som de um rosnado), vertente do indie e punk rock praticada por garotas que, como o nome indica, não levam desaforo para casa. O lançamento ocorreu no mesmo período em que a banda russa feminista Pussy Riot fez shows no Brasil. 

Barbed Wire Kisses — A História do Jesus and Mary Chain
Zoë Howe, Sapopemba, 2019 
O livro aborda tanto a música dos irmãos Reid, que influenciaram meio mundo com microfonia aplicada a melodias do pop dos anos 1950 e 60, quanto a interminável disputa de egos da dupla — capaz de brigar por não concordar se o novo lanche do McDonald’s tem gosto de comida mexicana ou indiana.

Nossa Banda Podia ser sua Vida
Garotas à Frente
Barbed Wire Kisses — A História do Jesus and Mary Chain

FÁBIO GALÃO é jornalista. Trabalhou na Folha de Londrina e colaborou com publicações da Editora Abril e veículos como Gazeta do Povo e Rede Massa.